segunda-feira, 28 de julho de 2008

Sobre Classificações e Caixas

Não quero crer que Casablanca seja um filme de amor. No fundo, não é: trata-se de uma das maiores metáforas geopolíticas de todos os tempos. Filmes de amor, assim, deliberadamente, não são dignos. Os grandes filmes podem até ter uma aparência tal mas, reparem, é só aparência. Ou, muitas vezes, nem isso. Um grande diretor não se preocupa com amor - ele foge do amor, como bom diretor que é (e, claro, amor por dinheiro ou pelo poder não é amor).

Senão, vejamos: Alex de Large não ama nada nem ninguém (exceção a Beethoven, talvez). Qual a grande cena de amor de 2001? Dr. Strangelove, como o nome diz, é um grande caso de amor coletivo por bombas atômicas. Acho que não se encaixa.

Mas, mudemos de diretores: Barton Fink é só uma pervertido sexual. Steve Zissou é espetacularmente fã de si mesmo e mais ninguém. O único caso de amor em Apocalypse Now é com o cheiro de Napalm pela manhã. A redença dos personagens de Magnólia não tem relação alguma com o amor - ela é existencialista, conformista como poucas: é essa merda aí mesmo mas pra cima com a viga, moçada! E não se pode imaginar que a cabecinha doente de Antoine Doinel comporte um sentimento de amor por quem quer que seja.

Mas, dizia de Casablanca: podem ver, é a grande metáfora geopolítica de 1941. Rick, os Estados Unidos: grande, rico, desejado por todos. Mas, sem coração, alma ou escrúpulo. Ajuda a todos e não ajuda ninguém. O pau comendo logo ali mas uma grande indiferença em relação a tudo. Já Lazlo é o comunistinha clássico, prenúncio do que viria se tornar o leste europeu no pós-guerra. Aparência de São Francisco de Assis, alma do demo. Contra os nazistas e os capitalistas (como pode em um local com tanta mulher bacana como o Leste Europeu as pessoas pensarem em revolução enlouquecidamente? Onde está o amor? hein? hein?). Captain Renault, o francês ambíguo. Os alemães vieram e fizeram a farra, mas os franceses não perdem a pose enquanto, no fundo, se tornam simples vassalos dos vizinhos do leste. E, por fim, Ilsa Lund, a Suécia. Neutra, indecisa, flertando com todos os lados (e fornecendo seu precioso minério a todos os que pedirem com carinho). Não tem nadinha de amor ali. Nem um tiquinho, nada.

E, claro, o pianista Sam é um desvio escravocrata que o mundo deixou passar.

Ao final, Rick deixa sua posição blasé, declarando guerra ao Eixo e se aliando ao amigo Francês, com quem tinha relações ambíguas até então. This is the beginning of a beautiful friendship. A Sueca vai pro país neutro (onde, acredito, continuou a fornecer sue minério de ferro a todos que pediram com carinho) e o comunistinha vai fazer barulho em outro lugar antes de desfilar com o Exército Vermelho em Budapeste ao final da guerra.

E, para terminar, uma análise da metáfora geopolítca do filme sob outro aspecto (retirada do blog "Estrada Nacional 101").

No inicio do filme «Casablanca», há uma cena no Café Américain* onde Rick Blaine (Humphrey Bogart) fala com Ugarte (Peter Lorre). Aí, Bogart analisa uma posição no tabuleiro de xadrez que é precisamente a resultante do Ataque Alekhine na Defesa Francesa. Não é uma mera coincidência que Bogart tenha escolhido a Defesa Francesa e analisado a posição para as negras no filme «Casablanca», é que existe uma verdadeira metáfora. Na realidade, o tabuleiro de xadrez representa o campo de batalha, o ataque Alekhine a «blitzkrieg» (táctica de guerra relâmpago utilizada pela Alemanha nazi), a estrutura de peões a linha «Maginot» (famosa e, na altura pensava-se, intransponível linha de defesa Francesa) e a posição do cavalo o ataque pela retaguarda…Humphrey Bogart já jogava xadrez há muitos anos, tendo chegado a jogar por dinheiro no período da «Grande Depressão».Outra curiosidade é que Humphrey Bogart, Paul Henreid e Claude Rains jogaram xadrez durante toda a rodagem do filme.

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